Sunday, June 16, 2024

Transcender

A imaginação é uma ferramenta poderosa do carisma.
Ser uma outra pessoa no palco, diferente da pessoa da vida real - essa do cotidiano, que faz o almoço e lava o chão do quintal - é imprescindível!
Há quem não entenda. Há quem não pense nisso. E há quem pense que a das luzes, com microfone na mão, seja a única pessoa que me habita.
Mas, quem iria ver a pessoa que arruma a casa, limpa a caixa de areia dos gatos, lava roupas e faz compras no supermercado?
A Emmy que sobe ao palco é muito mais interessante!
Ela chega onde a dona de casa jamais chegaria.
É sedutora, às vezes. Engraçada, às vezes. Parece até que está falando individualmente com cada expectador!
E não está?!
"Ora, ora! Se não era para mim que ela apontou, quando disse que não me divide com ninguém, enquanto cantava 'A Loba', da Alcione, para quem mais seria?"
Fico feliz, porque nessas horas, consigo fazer as pessoas sentirem-se dentro do espetáculo, fazerem parte, sonharem...
Alguns pedidos de casamento eu precisei rejeitar, por motivos óbvios! - afinal, a que se casa é a que faz o almoço e limpa a caixa de areia dos gatos, e, por sinal, já se casou!
Os abraços sempre me aquecem, e o calor afetuoso que vem deles fica em mim, dentro de mim, como chama que consome a mesmice dos dias de lavar louça e me mantém viva, até o próximo palco.
Alguns elogios me deixam saber que estou fazendo bem o meu trabalho.
Mas, em absoluto, nada se compara à lágrima emocionada, num rosto extasiado em meio à multidão!
Esse é o presente especial de Deus, em uma ou outra data em que geralmente saio de casa sem propósitos maiores, mas me deparo com uma alma diferenciada a encontrar-se com a minha, nessa providência divina que me dá sentido, através da arte para a qual Ele, o Criador, me preparou.
Algumas vezes eu senti a transcendência de tocar um coração e segurá-lo entre as minhas mãos, num peito aberto, rasgado, exposto, molhado de lágrimas sutis...
Não tem preço! 
Ainda um dia desses, há pouco mais de dez anos, eu não preveria viver esses momentos que me imortalizam dentro de uma lacuna mágica no tempo, e fazem toda a espera de uma vida valer a pena.
Quanto valem esses momentos?
Valem tanto... 
Nascem de uma introjeção de sentimentos quase sempre alheios e emoções que nem sempre são minhas, mas que alguém, ao compor sua arte, deixou ali, como uma nascente a me fartar de suas águas inspiradoras.
A empatia me norteia e alguma alma me acolhe. 
Eu nunca sei quando virão pedidos de casamento ou abraços mornos, muito menos quando cairá uma lágrima.
Não me preparo para isso tudo. Mas colho cada gesto como frutos doces num pomar ensolarado e me alimento deles.
A Emmy que sobe ao palco repousa na pessoa comum do cotidiano. A pessoa comum do cotidiano ainda respira porque a dos palcos um dia nasceu.
Fazendo minhas as palavras do Gonzaguinha, "Quando eu soltar a minha voz, por favor, entenda que, palavra por palavra, eis aqui uma pessoa se entregando... Tudo que você ouvir... Estarei vivendo."
Para quem não me conhece, sou Emmy Matias. 
Bora de música?
;)

EmmyLibra
Jun 10, 2014 - 9:12 a.m.

Friday, June 14, 2024

Quase-vida

Tive várias "quase-mortes", desde o exato dia em que nasci. Pelo menos em sete delas, eu cheguei bem na beiradinha do abismo mesmo, além das inúmeras situações de risco que passei, como, por exemplo, ter estado no meio de um incêndio, duas enchentes e outras incidências do mesmo nível de periculosidade.
Todas essas vivências limítrofes deixam um aprendizado. E eu compreendi, analisando meus primeiros 50 anos de vida, com suas tantas "quase-mortes", que eu, na verdade, sempre tive uma "quase-vida"... Como a maioria das pessoas tem, aliás.
Mas, ter uma quase-vida nem é o problema. Problema mesmo é constatá-lo! - A ingenuidade é muito confortável!
Saber disso começa a incomodar...
É estranho que poucas pessoas se dão conta de que têm a missão terrena de viver plenamente, mas vivem pela metade, conformam-se, deixam-se alienar.
São aprisionadas mentalmente por muitas armadilhas.  
Sucumbem facilmente ao consumismo, incentivado pelas publicidades da tv e vitrines das ruas. 
Sucumbem aos discursos inflamados dos políticos, com suas promessas de benesses e favorecimentos. 
Sucumbem à fé cega, preguiçosa e comodista, manipulada nos templos de tijolos, com seus líderes interesseiros, assalariados, pregando uma salvação fast-food que o Cristo jamais ensinou.
Sucumbem aos pseudo-cientistas, com seus jalecos maculados pelas moedas sujas que ganham da indústria farmacêutica
Sucumbem às pseudo-artes que se ofertam em seu entorno, calculado para ter cores e sons emburrecentes.
Sucumbem aos vícios químicos e dependências psíquicas diversas.
Sucumbem aos sentimentos de culpas e auto-flagelos inúteis, aos quais se submetem, na ilusão de que eles lhes farão melhores ou mais dignos da piedade divina.
Sucumbem às necessidades tantas, sob as quais os apelos sociais nos condicionam, sem que percebamos, e que tornam-se suas piores conselheiras...
Somos escravos. 
Existimos pela metade. Talvez muito menos do que pela metade!
Tantos são os que vivem num quase nada, desconhecendo quase tudo, principalmente suas potencialidades individuais!
Tantos são os que aceitam ser o que agrada aos olhos alheios, castrando-se, podando-se, limitando-se, encabrestando-se, acorrentando-se...
Somos infinitamente menos do que poderíamos ser, se não tivéssemos o olhar social a nos vigiar. Seríamos tão maiores, se não nos encontrássemos inseridos em culturas subjugantes, com suas "regras-para-tudo" a nos adestrar...
Existe alguma liberdade na lucidez? 
Eu digo que não. Definitivamente, não!
Talvez, na insanidade mais profunda e incontrolável, poderíamos experimentar alguma autonomia, alguma vontade própria.
Mas é aí que aqueles que amarram os próprios pés nas mós pesadas dos condicionamentos sociais usam suas tesouras afiadas para cortarem as asas dos que ousam tentar voar. E os chamam de loucos! E os trazem de volta à lucidez doentia, com as químicas "perfectantes" daquela velha indústria farmacêutica, com seus pseudo-cientistas fazendo seu merchã para ela disfarçado de entrevista no telejornal noturno, com aquela musiquinha hipnotizante na abertura e cores meticulosamente escolhidas no plano de fundo...
À constatação de que vivemos anuentes aos que nos subjugam já chegaram alguns - poucos; à constatação de que a teia de conceitos e "regras e tratados e filósofos e sábios"¹ a nos condicionar é densa demais, talvez intransponível no sistema ao qual nos engendraram os mandatários do mundo, também chegaram alguns - menos ainda!
Estamos condenados a viver pela metade, crendo por vias e práticas enganosas que teremos vida eterna e plena. 
Sacerdotes e mentores espirituais nos altares, com seus livros (quase) sagrados (tantas vezes indecentemente violados pelos escribas antigos, pagos para adequarem os textos ao que era conveniente aos poderosos), nos dizem que basta lermos a receita, sem tomarmos os remédios amargos, e a cura virá. Tudo sem esforços. Tudo fácil. Tudo sedutoramente confortável e automático. 
Para quem será que interessa nos manter nessa ignorância cômoda, nessa anestesia mental?
Vivemos pela metade, recebendo migalhas do Estado, com seus assistencialismos, fabricantes de parasitas sociais.
Vivemos pela metade, deixando aos filósofos pensarem por nós e aos professores e sacerdotes nos ensinarem teorias inexeprienciáveis como se verdades incontestáveis fossem.
Vivemos pela metade. Sonambúlicos. Zumbis.
Aqueles que despertam para a realidade - ou em linguagem de hoje, tomam a "red pill" - fatalmente sentirão a lâmina fria da tesoura afiada dos "lúcidos" espectadores do telejornal noturno, a lhes aparar as asas da ousadia. 
Vivemos pela metade, até que um dia, um ou outro abre os olhos de ver e é rapidamente degolado, antes que cutuque o sonâmbulo ao lado e o contamine com seu despertar inconveniente.
Ter uma quase-vida nem é o problema. Grave mesmo é constatá-lo! 

EmmyLibra 
Jun 14, 2024 - 9:20 a.m.

Régio, José. in Cântico Negro.