Tuesday, August 07, 2007

De médico e de louco...



Todo mundo é estranho um pouco. Fazendo, aliás, valer aquele velho dito popular: “de médico e de louco todo mundo tem um pouco”.
Estou ouvindo meu vizinho cantar. Acho que ele sonha fazer isso diante de multidões, ser famoso. Ele me assusta, quase sempre. Temo, porque me falaram coisas horríveis a seu respeito: que usa drogas, rouba, assalta... Até que é meio violento com a avó, que o criou desde bebezinho. Eles costumam brigar muito. Sempre que ele tem “mercadorias” disponíveis, os amigos – nada simpáticos, diga-se de passagem – ficam num frenético ritual de visitas sucessivas à sua casa.
Pobre avó! Já teve até um derrame, a infeliz. Acho até que, no fundo, ela se culpa um pouco pelo fracasso na criação desse desajustado.
Mas, voltando à estranheza, me vi fazendo o mesmo: cantarolando. E pior, eu cantarolava músicas árabes! Vamos ser estranhos, cada um à sua medida e ao seu timbre, mas, música árabe?! Acho que a estranheza dele é um cisco, perto da que me permiti mostrar!
De médico podemos até não ter grandes coisas, mas de loucos... Todos nós, jovens, velhos, homens, mulheres, ricos ou pobres, um dia, numa bela manhã de sol, vamos querer mostrar nossos secretos desejos de ser algo que não somos, fazer algo diferente – importante ou não –, que nos torne únicos na multidão, nos dê a chance dessa singularidade que a vida cronometrada, padronizada e repetitiva nos rouba.

“Eu quero ser alguém que não se perca, alguém com um brilho, uma cor, um olhar diferente. Quero ser eu mesma, deixar no mundo um recado: Eu – pessoa única, sem duplicação, sem réplicas, sem espelhos, sem clones – estive aqui tempo suficiente para ser inesquecível!”

É assim que nos comportamos, todos. Indistintamente. Todos! Admitindo ou não, tudo o que queremos é a singularidade. Não sermos números na estatística do censo ou da pesquisa eleitoral. Não sermos CPF ou RG. Sermos mais do que simplesmente gente, mais do que simplesmente respeitados: queremos ser ímpares, inconfundíveis!
Eu tenho dó do meu vizinho... Espero estar enganada, mas talvez um dia ele descubra que a única platéia que teve em seus shows de rock n’roll terá sido uma vizinha antipática a ouvi-lo por cima do muro que separa nossas casas.
Eu continuo assustada com ele, por tudo de mal que é supostamente capaz de me fazer. Mas hoje, nesse dia singular, ímpar, sem cópias nem repetição, eu percebo que senti algo igualmente novo e diferente por ele: piedade.
Me apiedo dele por sua desviada juventude, por sua incerta velhice, por sua desperdiçada e mal-conduzida infância. Ele não é o único culpado pelos seus fracassos, nem por estar hoje no lado errado do script... A avó tampouco é dona dessa responsabilidade, nem os pais, menos ainda o governo ou o “sistema”. Também não são culpados a TV ou as bandas de rock, nem as frustrações por que ele deve ter passado e pelas quais todos nós, mais cedo ou mais tarde, passamos, quando descobrimos que Papai Noel e os outros muitos personagens que nos encheram de esperança não passavam de mitos.
Não há culpados. Há apenas uma seqüência confusa de passos e oportunidades que nos levam para cima ou para baixo. Não podemos afirmar que tal ou tal seqüência é a certa ou a errada, como não podemos prever o próximo instante de nossas vidas.
– E se estivéssemos, eu e o meu vizinho, em lados trocados, ele com minha construção, eu com a dele, ele assustado, eu cantando no meu quintal e sonhando ser, um dia, sui-generis aos olhos do mundo?
Nossas seqüências, nossos passos e oportunidades nos puseram em quintais vizinhos, num duelo de medo e sonhos, nos deu essa “estranheza”, essa parcela de loucura, cada um à sua medida e ao seu timbre.
– Quem foi mesmo de nós que tomou o caminho que leva para cima?!
Vou fazer um chá. Meu filho está com dor de barriga. É hora de pôr à prova a primeira parte daquele velho dito popular: “de médico e de louco...”
Espero, minha parcela de médica seja maior do que a que me faz cantarolar em árabe!



EmmyLibra
July 22nd, 2006


Saturday, August 04, 2007

Liberdade


Quero o gosto bom da liberdade,

andar descalça na chuva,

colher os lírios que crescem alheios

à beira do meu caminho.



Quero ter caminhos!


EmmyLibra

Aug 6th 2005 - 2 16pm