Thursday, October 27, 2011

Ser integral


O importante não é o fato de ser mulher ou homem, 
preto ou branco, cristão ou muçulmano. 
Tudo isso é conceituação, nomenclatura, linguagem.
O que realmente faz diferença é ser indivíduo, 
ser alguém integral, sentir-se integral, sentir-se bem 
não como "algo" que se é, mas como pessoa.

EmmyLibra
Oct 26, 2011  - 11:30 a. m.




A problemática da discriminação não se resume ao fato de a pessoa ser mulher ou ser homem, ser homo ou heterossexual, nem da cor de sua pele, da religião que professa, enfim, de suas origens e escolhas.

Tudo isso é conceito.  É linguagem, nomenclatura.  E é, sobretudo, limitar, com esses conceitos, todo um conjunto de idéias e atitudes.  É tomar o efeito por causa.

O que realmente faz diferença na luta contra qualquer preconceito é cada pessoa se reconhecer como indivíduo, como ser integral. É sentir-se bem, não como mulher ou como homem; nem como gay ou heterossexual; nem como preto, branco, amarelo, índio; nem mesmo como membro de um clã, família ou clube; nem como nordestino ou sulista; tampouco como brasileiro ou estrangeiro. Nada disso faz diferença. O que realmente importa é sentir-se bem como PESSOA.  Ser pessoa.  Amar-se pessoa.  Amar-se.

Ser integral não impede o indivíduo de ter uma identidade que também faça parte de coletividades.  De modo nenhum!  Um eu isolado nem sequer se reconheceria, se individualizaria.

Uma pessoa em comunidade pode ser flexível para incorporar dos grupos aos quais se associa os valores que lhe fortalecem e lhe conferem sensação de segurança e estabilidade.  Mas, para isso, não precisa pertencer a esses grupos na raiz da palavra "pertencimento", ou seja, em seu sentido de propriedade, de tornar o ser humano um objeto, uma coisa.  Pode fazer parte, contribuir e assimilar do social o que lhe faz bem.  Mas não precisa enredar-se ao todo a tal ponto que não mais possa viver fora dele ou que venha a desconhecer-se, anular-se, homogeneizar-se a ele como ingrediente de um bolo!  Sobretudo porque, ao pensarmos que não somos autônomos o bastante para que nossa própria existência se justifique, na verdade temos a ilusão de que o todo é que sentirá nossa falta se o deixarmos, não se manterá de pé sem a nossa presença, sem nossa sustentação. Pensamos que o todo nos enxerga como pilastras nas quais ele se equilibra. E, definitivamente, nós não somos isso.  Nem deveríamos ser!

Como mudar o sentido que o mundo tomou e que nos levou a tantas desigualdades, tanta hostilidade?

Creio que, enquanto educarmos nossos filhos para serem funcionais – ou falando mais adequadamente ao século atual, para serem “multifuncionais” –, enquanto não concentrarmos nossas preocupações em torná-los HUMANOS, completos, sempre estaremos condenando as gerações futuras a serem facilmente alienáveis, manipuláveis, frágeis – como as atuais.  Sempre teremos pessoas subjugando pessoas, pensamentos escravizados, necessidades de clãs, agrupamentos que se baseiam em conceitos fúteis e que se solidarizam em nome de uma tal “segurança” oferecida pelas sociedades, clubes, família ou nação aos quais o sujeito se filia ou nos quais nasceu, e que não é tanto mais do que um “efeito placebo”, tranqüilizante para seus temores.  Falsa segurança contra perigos ilusórios, em suma.


E o que são os preconceitos, senão conceitos que 
alguém antes de mim pensou, converteu em discurso, 
reuniu em ideologias e com elas criou os clãs 
aos quais me agrego, sem questionamentos?


Formar pessoas integrais é formar pessoas capazes de raciocinar, racionalizar, serem mais críticas e menos vulneráveis (ou alienáveis).  Pessoas que até podem associar-se, "pertencer" a qualquer grupo social, porém limitando a própria participação e envolvimento a níveis logicamente ponderados, que não fragilizem a sua individualidade nem sejam capazes de arrastá-las a atos que vão de encontro às suas verdades e aos seus valores primários, apenas para que elas se adeqüem às ideologias seguidas pelo grupo. Que não as manipulem, afinal.

Formar pessoas integrais é, sem dúvida, o grande desafio da raça humana para combater os inúmeros problemas de ordem mental e emocional que, como larvas eclodindo em moscas, também se multiplicam em nossa sociedade, sendo causadores de traumas, temores, síndromes diversas, depressão, loucura.  Na verdade, o simples reconhecimento da necessidade de preparar a juventude para ser capaz de andar com as próprias pernas já é complicado para muitos pais e educadores.  Ainda estão muito arraigados em nós os métodos de ensino científico, cheios de teorias que, se não são inúteis, ao menos deveriam ser tratadas como secundárias ao próprio ser humano – como Ser Humano.  Estamos acostumados a mandar nossos filhos à escola para que eles venham a ter um bom emprego quando adultos. Não para que sejam felizes.

Preconceitos e violências seriam, então, eternos estigmas humanos, graças a todas as escolhas que foram feitas pelos que nos precederam?  Estaríamos predispostos a trocar a roupagem desses preconceitos, geração após geração, sem conseguir extirpá-los do nosso meio?

E se começássemos a repensar o preconceito, não como algo que nos afeta, mas algo que produzimos e reproduzimos de nós para nós mesmos?  E se parássemos de ocupar a posição de vítimas o tempo todo por sermos assim e não de outro jeito, ou por escolhermos esta e não outra forma de vida, esta e não aquela crença, esta e não aquela orientação sexual?  Se parássemos de buscar no outro as palavras que nos ferem e tentássemos OFERECER ao outro palavras nossas que lhe façam conquistar-se a si mesmo, ser também capaz de sentir amor próprio e de ser um todo, uma individualidade, ao invés de um composto estranho feito de partes de uma sociedade cheia de ilusões e desajustes?

Repensar o preconceito como responsabilidade nossa pode ser uma saída, uma solução. Pode até ser mais uma ideologia barata e inútil, uma idiotice.  Mas é, sem dúvida, uma experiência que nos faz mais fortes por dentro, menos suscetíveis a tropeços em insignificantes pedras que, invariavelmente, encontramos em nosso caminho.  Essas pedras são, incontáveis vezes, arranjos nossos, esquecimentos nossos.  São tentativas frustradas de erguer muralhas que nos protejam do outro, do olhar do outro, das opiniões do outro.  E que não se sustentam, por terem como base o movediço solo de nossas próprias idéias, que nada mais são do que o reflexo das idéias desse outro do qual tentamos nos proteger, e que por sua vez é um reflexo de outras tantas idéias frágeis e errôneas, como numa cadeia sem fim!

Preconceitos são muralhas entre os homens e precisam ser derribadas para que o ar circule novamente entre nós.

Precisamos ser unos, para conseguirmos ser células saudáveis a formar o tecido da sociedade.  Enquanto formos instáveis, desconfiados, arredios, violentos, sempre tentaremos enxergar no outro nossas próprias características e buscaremos suas aparentes diferenças para justificar nossa intrínseca intolerância.  
A vida em sociedade nos favorece aprender a conviver, no entanto nos permitimos os distanciamentos, as perseguições.  Ao perder nossa identidade, que é o que verdadeiramente nos faz perceber quão perfeitos somos – ou podemos ser –, também perdemos a condição de perceber no outro sua essência humana, sua perfeição. Reduzimo-lo a "algo", uma coisa qualquer, descartável.  E assim também nos tornamos objetos, partes, peças definitivamente assentadas numa máquina que, de tão pesada, já não consegue mais se mover, apenas range e se arrasta. 

Ontem era o preconceito racial, anteontem era o religioso, hoje é a violência entre gêneros e a homofobia, dentre tantos mais.  Amanhã...?

Amanhã, talvez tenhamos novas atenções e novos clãs, novas teorias e novas formas de discriminar, de subjugar e sermos subjugados.  Talvez.

Talvez não.  Talvez nada disso.  Quem sabe o sujeito integral, finalmente?  Por que não?

Aliás, como é mesmo aquele velho dito popular?  "O futuro a Deus pertence".

A Deus?!



EmmyLibra
Oct 27, 2011 - 7:00 p.m.