Friday, August 28, 2020

Inverno

Uma réstia de sol inunda a sala, mas não aquece.
O inverno, oficialmente, chegou há poucos dias, mas já temos passado tempos bem frios, madrugadas de doer!
Todas as noites eu penso nos moradores de rua, nos animaizinhos abandonados,  tantos que não têm abrigo, vivendo ao relento, morrendo ao relento...
Ainda se irão três meses assim, antes que tenhamos calor novamente. Isso preocupa, sobretudo em tempos difíceis em que uma político-pandemia nos assola.
Tenho ficado angustiada pela situação geral. Às vezes, o meu conforto tem quase o mesmo gosto do sofrimento e a minha proteção tem quase o mesmo cheiro da culpa.
Sei - e aqui o saber é ter ciência, convição - que não sou eu a causar ou agravar coisa alguma. E que o que posso fazer para minimizar, a um que seja, alguma fome ou frio, faço-o. Não se trata disso. Trata-se de comiseração. Não há como estar absolutamente confortável entre as cobertas quentes, quando sabemos que outros milhares não têm sequer um cobertor que evite sua morte na madrugada. 
É um sentimento estranho. Uma piedade que deixa sempre uma pergunta sem resposta pendendo num fio invisível, diante dos nossos olhos: "que posso eu, diante da multidão que sofre, se mal carrego a mim mesma sobre meus calcanhares, muitas vezes sendo até mesmo carregada no colo?"
Tradução do sentimento: impotência.
Uma frustrante sensação de impotência.
Nem orar eu posso!

EmmyLibra
Jun 24, 2020 9:13am

(Nem sei por que não publiquei na data. Deve ser um dos esquecimentos causados pela idade!)

Remissão

Na ilicitude dessas horas tuas
Em que me embriago desse amor volátil,
Esvão-se de mim os pensamentos puros,
A santa castidade de que se fazem os anjos.

Sou nada mais do que esses instantes mornos
Que - dizem muitos - me condenarão 
Aos calores infinitos 
Das chamas ardentes na escuridão profunda,
Onde Deus, muito provavelmente, não está!

Ora, pois! Não é o Ser Altíssimo onipresente, 
Para que de divindade Lhe possamos chamar?

Estaria Ele, também, presente no vão escuro
E fétido e imoral do inferno?
Ou mesmo no leito morno, sobre o qual,
Ainda agora mesmo, me embriago e deliro?

Acaso me contemplará este Ser com seu olhar 
- Supostamente bondoso,
Enquanto me despedace eu em meio ao fogo,
Naqueles dias infindáveis da minha condenação?

Desconsiderará o Criador que o leito e a embriaguez
Estavam cobertos 
Pelo tênue véu de sentimentos amorosos por ti?

Acaso, o que guardo no peito
E que me arrebata aos braços teus a cada estação,
Não serve para cobrir os pecados tantos
Que pesam como fetos mortos
Dentro do meu ventre?

Essas horas ilícitas,
Nas quais me embriago e deliro,
Dizem mais dos Céus do que do Inferno,
Dizem mais de Deus do que de mim,
Dizem mais a Deus do que dizem a mim.

Essas horas ilícitas, banhadas de suores e salivas,
Falam mais de alma do que de corpo,
Falam mais de amor do que de pecado,
Falam mais ao amor do que ao pecado.

Essas horas ilícitas, cercadas de temores
Da materialidade da incompreensão humana,
Não temem o suficiente para que lhe ponhamos termo,
Pois não temem a imaterial Realeza que nos julgará, enfim,
Pelo filtro do amor no qual se banham
E que remirá, um dia,
Pelo batismo inquestionável desse amor,
Todos os pecados humanos,
Lavando todas as honras
E devolvendo-lhes a imácula transparência,
Na qual refletir-se-á
A luminescência das almas - então inocentadas
De toda e qualquer paixão sorrateira
Que, porventura, 
Haja permeado os lençóis,
Enquanto a embriaguez e o delírio
Nos elevava ao êxtase.

EmmyLibra
Aug 5, 2020 - 10:55 a.m.






Thursday, August 13, 2020

Filosofia dos Pacotes

Em nossas vidas, tudo que nos cerca são “pacotes” que compramos, ganhamos ou simplesmente caem de paraquedas no nosso colo. 

Entendamos esses pacotes como sendo compostos de muitos ingredientes: açúcar, sal, mel, pimenta, luzes, sombras, melodias, ruídos, alegrias, tristezas etc. Mas, para resumirmos as ideias, pensemos que os ingredientes que nos agradam são percebidos e sentidos por nós como balões de ar quente que fazem o pacote flutuar, ficar mais fácil de carregar, enquanto os ingredientes desagradáveis nos parecem pedrinhas – ou pedregulhos! – que nos fazem sentir o pacote como se fosse mais denso e pesado para nós. 

Mais balões do que pedras: pacotes leves. Mais pedras do que balões: pacotes pesados.  Mas, vale salientar que são apenas percepções nossas. O que vemos como balões, outros poderão enxergar como pedras e vice-versa. 

Pessoas, coisas, situações, escolhas, tudo! Pacotes fechados, bem amarrados de barbante, muitos com nó cego. Algumas vezes não é possível abri-los para acrescentar ou retirar algo. Alguns, no entanto, vamos enchendo ou esvaziando com o passar do tempo.  

E assim a vida segue, vamos acumulando alguns pacotes, perdendo  outros pelas curvas do caminho, ou simplesmente nos desfazendo deliberadamente deles. Uns nós atamos cada dia mais fortemente, outros vamos afrouxando nós, enfeitando com laços de fitas, colorindo o papel que os embrulha... 

Quando fomos concebidos, éramos pacotinhos para nossas mães. Recheados com expectativas, sonhos, cólicas, aumento de peso corporal, enjoos, dores do parto... Enfim, no pacote-gravidez os balõezinhos das boas expectativas da vida que se desenvolve no ventre vêm juntamente com algumas pedrinhas, sobretudo para a mãe. Para o pai, bem como para os demais familiares, há as mudanças de humor da esposa, as despesas aumentando, os espaços da casa sendo alterados, dentre outras tantas pedrinhas que eles precisam carregar dali por diante. 

Nascemos, crescemos, fazemos escolhas, fazemos amizades, aprendemos. 

No pacote-infância há as brincadeiras, o tempo farto, o desconhecimento dos problemas dos adultos, a vida abundante correndo nas veias, aprender o tempo inteiro, tantos balões de ar quente, que precisamos viver presos por cordinhas para não sermos levados pelo vento em dias de agosto! 

Pedrinhas, para algumas crianças, são poucas: joelhos ralados, arrancar dentes, brigas com os irmãos ou primos, coisas banais. Para outras, no entanto, há pedras colossais de violências sofridas, abusos, perdas, fome e miséria. Para estas, o pacote-infância é um fardo difícil demais de carregar. 

No pacote-vida-escolar tem balões de aprender e pedras de exames e provas; tem balões de colegas bem legais e pedras daqueles coleguinhas chatos que bebem nosso juízo de canudinho!  

No pacote-família temos os balões mais quentes e leves, porém, talvez nesse tenhamos também as pedras mais duras e pesadas. São pais, avós, irmãos, primos, filhos, parentes e agregados, cada um com suas cargas emocionais, seu jeito de ser, uns doces, outros amargos, uns bondosos conosco, outros que nos massacram, uns que nos enriquecem o dia-a-dia, outros que sugam nossas energias.

Mas o pacote família é uma referência!  Com seus ingredientes aprendemos, crescemos, temos oportunidade de desenvolver habilidades sociais valiosas! Entretanto, é bem comum desconsiderarmos os balões das virtudes de cada membro que nos acompanha ao longo do existir. Insistimos, muitas vezes, em enxergar mais as pedras daquilo que não gostamos em nossos familiares do que o lado bom de estarmos com eles nessa jornada.

Família é um pacote compulsório. Mas, curiosamente, enquanto o carregamos fazemos parte dele, estamos vestidos nele! 

Lembro-me quando decidimos ir embora do Nordeste para Minas Gerais. O pacote-mudança incluía todas as expectativas boas e ruins, pois não sabíamos o que nos esperava em terra tão distante e culturalmente tão diferente da nossa. Era um grande pacote-surpresa neste sentido.  

Havia nele, logo de cara, as pedras de deixar para trás amigos queridos, parentes que demoraríamos muito tempo para rever. Medos e anseios se misturavam dentro do nosso pacote, mas à medida que o tempo foi passando, muitos balões surgiram: grandes amigos, trabalhos, aquisições materiais e imateriais, então o pacote-Minas-Gerais foi ficando cada dia mais leve. 

Falando em amigos, antes de tudo são pessoas. O pacote-gente é uma das mais preciosas aquisições. Mas são eles os mais bem amarrados, com muitos cordões e nós bem firmes, geralmente não podemos abrir e modificar seu conteúdo. 

Pessoas têm virtudes tantas! Mas carregam em si vivências que as fazem peculiares, únicas. São gozos e dores, ganhos e perdas que se amontoam e dos quais elas se compõem. Não podemos levar para nossas vidas um pacote-pessoa e achar que podemos obrigá-las a jogar fora de si os ingredientes que nos desagradam, para serem o que idealizamos. É ilusão! 

Amigos, familiares, colegas de trabalho, líderes políticos... Todos, invariavelmente, terão em si características-balões e características-pedras, influenciando quão leves ou densos os vemos.  

Se vai levar para algum nível da sua existência um pacote-gente, é bom lembrar da inviolabilidade dos seus lacres! Não há como esvaziá-lo do que nos desagrada para que fique leve. Mas, sobretudo, é fundamental ter em mente que também seremos pacotes para essa pessoa. 

Pôr o pacote-eu na balança me preocupa? 

São válidas as seguintes reflexões: quão densos temos sido? Quão fácil ou difícil tem sido para as pessoas à nossa volta carregar o pacote da nossa companhia? Quanto temos nós enchido nossos balões-virtudes em favor de facilitar a vida de quem nos cerca, e quanto temos nos tornado tropeços de más escolhas para quem cruza nosso caminho?  

Enfim, somos pacotes-bombas ou pacotes de presentes para quem compartilha conosco sua existência? 

 

EmmyLibra

Aug 13, 2020 - 4:50 p.m.

Wednesday, August 05, 2020

Leme

Dias iguais
Depois de noites iguais
Vida que segue
Pra onde?
Não sei.

Quero pôr de volta
A minha mão
No leme.

EmmyLibra
Aug 5, 2020 - 8:27 a.m.