Sunday, June 08, 2014

Parêntesis

Eu gostaria de poder viver de arte! – acho que é a undécima milésima vez que digo isso nos últimos dez dias!

A arte tem sempre uma surpresa, algo fora do comum, onde podemos viver do novo, constantemente!

Estou farta da rotina, dos compromissos, das prestações de contas, dos julgamentos alheios, dos desejos alheios a controlarem os meus...

Tem momentos que parece que o mundo emborca sobre mim! Tudo urge, tudo me chama, tudo me arrasta!

Nessas horas eu preciso abrir um parêntesis na vida. Paro tudo, abandono compromissos, desligo o celular, entro no Parque Municipal e fico lá, sentada ao lado de uma nascente, só ouvindo o barulhinho da água. 



O mundo pode estar louco lá fora, mas sempre encontro naquela fonte de águas cristalinas um refúgio, para onde eu vou quando quero me libertar do stress

Fico desconectada de tudo por umas duas horas. E quando saio de lá, a vida continua a mesma, com os mesmos velhos problemas, o mesmo trânsito insuportavelmente congestionado, a urgência das coisas... Mas – que bom!– ninguém morreu porque estive fora por duas horas! 

O mundo não se acabou, nenhuma bomba atômica destruiu a humanidade, ninguém ficou mais rico nem mais pobre, nem mais louco nem mais são porque me ausentei. 

Quanto a mim... Ah! Eu não sou mais a mesma de duas horas antes!

Sinto-me como se fosse um pouco mais "dona" de mim mesma, menos sujeita às decisões, horários e agendas dos outros, menos sufocada. É como dizer ao mundo: "Ei! você não manda em mim tanto assim! Posso desconectar quando quero, ouviu?"

Mas tudo isso é ridículo e você é muito boba! – você há de dizer.  Porque eu continuo escrava das agendas dos outros, do ritmo alucinado da vida urbana, dos compromissos inadiáveis... Basta sair daquele parêntesis e tudo volta a ser como antes.

Mas a sensação de leveza que experimento por duas horas me ajuda a conservar minha identidade, em meio ao caos. Me ajuda a repor energias para suportar a mesmice, a rotina, os deveres, os mil diferentes conflitos que há dentro de mim, quando vejo o mundo inteirinho à minha volta como se estivesse sempre prestes a ruir, pela fragilidade dos laços com que as pessoas atam suas vidas, hoje em dia.

São duas horas de um parêntesis que me permito abrir.  E dentro desse parêntesis não cabem celulares, compromissos, medos, anseios, dores, sofrimentos, inquietações. 

Dentro desse parêntesis não cabe mais nada além de mim mesma, do som da água da fonte caindo sobre as pedras, alguns peixinhos me cumprimentando, de vez em quando... E também  a paz – imensa, morna e acolhedora paz! – e o silêncio que cultivo dentro de mim, nesse instante, quando calo até meus pensamentos, só para ouvir aquele barulhinho suave da água nas pedras. 

Eu, água, pedras, peixes, paz e silêncio interior, mergulhados em meu parêntesis sagrado, em meio a um parque que está encrustado no coração do caos, numa das maiores cidades deste país!

Eu, água, pedras, peixes, paz e silêncio inerior. Um silêncio quase mortal, mas no qual reabasteço-me de mim mesma, reconheço minha real identidade: aquela que, para imergir no social, travisto de mil diferentes papéis, mas que não são o que sou ou, pelo menos, não são tudo o que sou.

Eu, água, pedras, peixes, paz e silêncio interior. Por duas sagradas horas eu me encontro comigo mesma e me permito ficar ali, isolada da vida que urge e me arrasta.  A salvo do caos, por duas horas. A salvo de tudo que fere minha condição de humanidade e que me condena a uma vida em que até nossas escolhas são moldadas pelo que nos é exterior, e não pelos nossos reais desejos. 

Eu gostaria de viver de arte... Mas minhas escolhas foram moldadas dentro do possível, dentro dos encaixes dos desejos alheios, dos espaços que minha história pessoal circunscreveu para a morada da minha alma.

Então, por duas horas apenas, escolho viver dentro de um parêntesis sagrado... 

Às vezes, preciso dizer ao mundo: "Ei! você não manda em mim tanto assim! Posso desconectar quando quero, ouviu?".  E ser dona de mim.  Nem que seja por duas horas apenas. 

Já que por aqui não se consegue viver de arte e "ser" está condicionado aos espaços que nossa história pessoal circunscreve para nós...



EmmyLibra

Jun 8, 2014 - 3:09 p.m.