Friday, November 26, 2010

Amando



O que uma pessoa não faz, estando apaixonada?

Ela se vê capaz de subir em muros íngremes – os que cria por dentro, e que a bloqueiam e cerceiam seus impulsos.  Ela os transpõe, como se nunca tivessem existido.

Cuida do outro, cuida de si.  Cuida da paixão, para que o brilho esteja sempre nos olhos. Até parece que lustra os olhos todas as manhãs, para que reflitam o sol, anunciando que o amor está lá dentro deles!

Apaixonada, uma pessoa se entrega, fica vulnerável, muda o jeito de andar, de pentear os cabelos, o jeito de sorrir – e sorri mais, daí por diante, porque o amor pede felicidade para não se tornar um fardo.

Quando está plena da paixão, a pessoa enxerga tudo em cores nunca antes percebidas.  E vê no outro o que espera, não necessariamente o que é real.  Pressupõe-se capaz de enlevar o ser amado, vê-se responsável por seus gestos, sente-se alvo de seus olhares, de seus desejos.  Tudo de bom que vem do outro é seu, e tudo de seu passa a ser bom, porque é sempre dádiva ao outro. 

Cada movimento seu tem uma sensualidade nova, cada palavra sua tem uma sonoridade apropriada, um cuidado para dizer o assunto besuntado nos óleos dos sentimentos.  Para que o outro, ao ver e ouvir, tenha a sensação de que há uma trilha sonora no fundo de cada sentença.

Ao permitir-se o enlevo, o apaixonado canaliza as sensações.  Perde um pouco os sentidos, fica meio fora de si.  Molha-se de chuva e acha aquilo maravilhoso!  Nem sente frio... Só um calor que vem do seu ventre, espalhando-se até os pontos mais extremos da sua aura, transbordando e inundando tudo à sua volta.  Porque o amor pede o conforto e, se não há, ele cria com sua energia.

O apaixonado sofre, espera, anseia, acaba com as unhas, cabelos, palavras... Faltam-lhe suprimentos, enquanto não se vê na companhia do ser amado.  Faltam-lhe argumentos para conter sua alma dentro do peito – quer voar!

No estado de graça a que o amor é capaz de elevar, a pessoa ri à toa, cria paisagens, idealiza riquezas que, em sua maioria, jamais sairão de sua mente para virar projetos.  Afinal, amando não temos tempo para mais nada, além do alvo de nossas paixões.  É nossa meta única.

A semana passa a ter um único dia:  o de encontrar o bem-querer.  E se o encontra todos os dias, cada dia é ímpar e tem a duração da semana inteira em suas 24 horas.  Se não há encontro, no entanto, as horas se arrastam e arrastam consigo suas esperanças. Parece que morreu, que o tempo parou, que não há mais nada a fazer, senão consumir-se a si mesmo.  Porque não vale a pena a vida longe do ser amado!

Quando amamos, o amor vira chantilly, e adoça tudo o que há – mesmo a fome e as dores. 

Nada pode ser mais incômodo do que as horas em que a alma gêmea se ausenta.  Perde-se a vontade de comer, perde-se o sono, perde-se o rumo.  E, até que est’alma volte a estar perto, tateamos num breu infinito.  Falta-nos a luz, falta-nos o ar, falta-nos bússola.  Naufragamos num mar de lágrimas.

O que não faríamos em nome do amor, então?

Por amor pecamos, por amor pedimos perdão, por amor somos condenados e depois absolvidos.

Jogamos fora horas preciosas, rabiscando iniciais num papel de pão, sempre cercadas por um coraçãozinho ridículo, flechado por todos os cupidos que a mitologia já desenhou.

Por amor, tocamos as estrelas, colhemo-nas como flores. 

Podamos as ervas daninhas do nosso jardim interior, plantamos árvores que já nascem frondosas, com longos galhos e frutos maduros. 

Por amor nos tornamos gentis, ampliamos nosso vocabulário para impressionar.

Nosso anjo sorriu?  Foi por nossa causa, só pode ter sido!

Enchemo-nos de questões novas, filosofamos, reavaliamos a vida, despimos preconceitos, abrimos campo para aceitações e transformações.  Tudo o que é novo é bem vindo!

Canalizamos energias curativas ao ser amado, queremos ver-lhe bem. Queremos abrir seu coração e arrancar de dentro dele os espinhos que a vida lhe traspassou.  Queremos ser capazes de ressuscitar sua vontade de vida, se ela faltar.  Queremos lhe alimentar e nutrir, providenciar o que lhe falta. Ser o que lhe falta.

Por amor, afinal, nos tornamos melhores.  Por amor merecemos e justificamos nossa própria existência.

Por amor, vamos além das palavras, das pausas, da linguagem.

Por amor nos calamos.  E o silêncio passa a falar sutilmente, em sua linguagem muda, o que nossa alma quer gritar.

Tudo isso por amor.  Tudo o mais por amor.  Tudo.

[Aposto amoroso:  Para o amor, o léxico criou a reticência.  Porque não havia mais palavras nele que o traduzissem e expressassem com fidelidade e clareza suficientes.  E aquele necessário silêncio, então, ficou implícito na infinidade reticente de um sinal gráfico.]

O amor não tem ponto final...

EmmyLibra
Nov 26,2010 – 08:29 a.m.