Friday, June 29, 2012

Sobre Deus, homem e religião

Religião é uma impositiva forma de explicar o inexplicável.
Religioso é aquele que, diante da realidade, sente-se pequeno, frágil, impotente, então entrega-se ingenuamente à religião para que lhe dirija os passos, sem jamais sentir-se capaz de  tecer questionamentos, mesmo diante de absurdos. 
Quanto a Deus, não é nem está em nenhum desses dois lados: nem na religião, manipuladora e indecente, nem no seu seguidor que se acovarda diante da vida e não assume suas responsabilidades, seu livre-arbítrio, seus enganos, sua felicidade – fim a que se destina a vida, em suma.
Uma certeza:  Deus está acima dessas coisas mundanas!


EmmyLibra
Jun 29, 2012 - 7 a.m.


Sunday, June 10, 2012

Fôlego

Eu posso morrer de fome, de frio, de solidão. 
Posso morrer de uma tristeza tão dorida, que não me reste nada dessa vontade de vida que tenho agora.
Posso morrer numa praça, rodeada pelas cores das flores, ou num deserto, na caatinga, numa cela de prisão ou sob um viaduto. 
Posso morrer sob o céu estrelado da noite ou sob a chuva fina, ou sob uma tempestade – que seja!
Posso morrer num abismo, daqueles bem profundos, me jogando do precipício, num voo icário.
Posso morrer num leito morno e macio, com um prato de caldo verde fumegando e exalando seus vapores aromáticos numa mesinha ao meu lado.
Posso morrer num revés de sorte, por uma bala perdida, ou por uma espada afiada, separando-me da vida bruscamente.
Posso morrer doendo, sofrendo, agonizando, suando, chorando – lentamente.
Posso morrer num êxtase, num prazer tão intenso, que toda a minha vida se resuma nesse instante.
Posso morrer de tédio, de raiva, de desespero.
Posso findar meus dias num hospício, ou no mar, à deriva.
Posso morrer de amor... Tanto faz!  Eu só quero estar em mim mais do que estive em qualquer outro momento deste durante, que é a vida.
Não quero mesmo é morrer daquela morte que um dia alguém chamou de severina, em que se morre "de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia...”*
Quero estar lúcida, consciente, em meu instante derradeiro.
Quero sentir a brisa, se houver; ou as gotas de chuva, se houver; ou o sol me secando, se houver.
Mas, acima de tudo, quero morrer na hora certa, no tempo de morrer, nunca antes da hora, nunca antes do dia.
– Morrer de véspera, nem pensar!
Melhor:  quero morrer, se possível, no instante seguinte ao ideal.  Quero ter um instante a mais, um fôlego a mais, uma sinapse...
Quero um pensamento último, uma idéia que se cristalize em mim, quando eu me despedir.
– Quão maravilhoso é pensar!  Quanta vida guardada, quantas possibilidades numa boa idéia!
Se um instante a mais me for dado, e meu cérebro produzir um pensamento bom, desses que podem salvar o mundo do desespero e da rotina, ou uma idéia que preserve as baleias do oceano, um projeto inteiro num breve suspiro, então eu terei vivido uma vida a mais, inteirinha, naquele segundo eterno, em que o ponteiro do relógio se demore a mover.
Uma vida inteira ali, vivida de súbito, súbita como o abraço da morte...
Uma segunda vida, uma segunda chance.  Num breve instante – que importa?
Que me importa do que vou morrer, onde vou morrer, em que condições o anjo devastador me encontrará?
Desde que ele não se apresse, que me seja gentil, que traga em si a tolerância desse instante a mais de vida, a generosidade de me permitir uma idéia, um lampejo de luz que aclare minha fronte como um relâmpago, ou mesmo como o leve piscar de um vaga-lume, então eu abraçarei esse anjo sem reservas, sem queixas e sem remorsos, sem raivas nem temores, sem mágoas...
De que me importa do que será feito o meu momento final?  Quero todos os momentos que lhe precedem, um a um, sem poupanças, sem economias.  Todos.  Todos os momentos, precisamente.  Em cada dor ou alegria de que sejam feitos, quero-os todos!
São meus, os momentos, de mais ninguém.
Minha vida é minha.  E assim será, mesmo depois da morte, em cada mover dos ponteiros que se prolongue, guardando em seu percurso a minha história inteira.
Hoje eu sou.  Isso me basta.  Mas jamais me bastará, se meu último instante acontecer em qualquer momento anterior ao devido.  Ou se qualquer dos precedentes me for espoliado.
Posso morrer de amor, de dor, de fome, de frio, de solidão.  Posso morrer aqui, ali, num deserto ou num jardim, sob estrelas ou raios, sob o sol ou sob a chuva – Que importa?
Só preciso daquele tolerante instante a mais, que o anjo me dê.  E do pensamento, da sinapse lúcida e criativa, da boa idéia que salvaria o mundo, as baleias, uma lagartixa...
Quero um lampejo de vida final, para que toda a vida tenha não apenas valido a pena, mas duplicado-se a si mesma, dentro de um breve suspiro...

EmmyLibra
May 30, 2012 - 8:42 a.m.



* Citação extraída do texto Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto.