Wednesday, January 10, 2007

Metade (*) (**) - I Carta de Emmy para Montenegro


“Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor...”

(Oswaldo Montenegro)


Mas, como? Como permanecer indiferentes e não nos deixar envolver pelo tom que a sua voz imprime ao texto? Como não fechar os olhos e “rezar” junto? Como não sentir um pouco de solidão, não ficarmos um pouco apaixonados também, um pouco donos de sua voz, quando recita? Como?

“Que o medo da solidão se afaste... Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio... Que a morte de tudo que acredito não me emudeça...”

É como se justificássemos, com nossas metades doces, todas as nossas pequenas e grandes faltas: de fé, de carinho, de coragem... Como se disséssemos para nós mesmos, junto com você, que ainda estamos “inundados de (bons) sentimentos” que justificam nossa existência restrita e enjaulada pelos medos que abrigamos ou pela pequenez de nossos horizontes.

“...porque metade de mim é abrigo, a outra metade é cansaço.” - E a lágrima aí se justifica. Como se disséssemos: “Dói, está sabendo? Dói viver. Dói amar. Dói sentir!”

Eu lamento muito, meu amigo, mas não pude cumprir com o que nos pede, quando diz que 'não escutemos suas palavras como prece, nem as repitamos com fervor', pois, a cada nova audição daquele poema, eu viajo entre minhas muitas metades. E acabo chorando um pouco por dentro, acabo por me permitir amá-lo um pouco, e abraçá-lo, e sentir seu cheiro, numa insistente construção de imagens e sentidos falsos que minha mente desenha pra suprir a lacuna do abraço verdadeiro.

Eu lamento mesmo!

Acho que hoje eu realmente gostaria desse abraço que construí, para poder dizer da pequenina gota de amor que você chorou em mim há tanto tempo, quando o ouvi pela primeira vez recitando 'Metade'... Sabe, naquele dia eu desliguei o rádio e saí correndo pelas ruas da cidade, para chegar exausta à emissora e implorar que me deixassem ouvir de novo, e de novo, e de novo... Nos dias seguintes eu me deliciava com as palavras ecoando em mim, como a tradução de tantos sentimentos, tantas sensações que eu não sabia como definir! Eu levava meu coração umedecido com aquela morna gota de amor que você derramou em mim, mesmo sem saber que o fazia...

Nunca meça o sentimento pelo mercado, meu amigo. Nunca! Eu lhe tenho um amor suave e sem preço, porque vez em quando você canta pra mim, e às vezes recita, e n'outras ri. E o seu riso é lindo! E me faz plena de uma felicidade indefinível... E a sua “outra metade”, quando se descortina, me faz crer que poderei, um dia, realmente abraçá-lo para levar comigo a lembrança do seu cheiro, no lugar das utopias de outrora.

Peço ao Pai que lhe abençoe. Que conserve em seu coração uma inesgotável fonte de amor, pois o amor não envelhece nunca!

Um carinhoso beijo.

Emmy Matias

Dec 20/1999

* Carta para Oswaldo Montenegro.. Pus em suas mãos no dia 16/09/2005, pouco antes do show que aconteceu na Praça dos Martírios, em Maceió. Inesquecível momento de minha vida. Como vc pode constatar, ficou pronto muitos anos antes, mas só tive oportunidade de entregar naquela noite. Que bom que tive... Grandes sonhos morrem conosco, em gavetas empoeiradas. Eu não quis que o mesmo acontecesse com esta carta.
Bem, tarde, porém eis a "I Carta de Emmy para Montenegro"!
** Título e citações extraídos do/em menção ao poema 'Metade', do LP Trilhas, de 1977, de Oswaldo Montenegro.

1 comment:

Anonymous said...

Novamente venho congratular-te por suas belas cartas. O alvo inspirador dela, justifica tal beleza de linguagem empregada.

E quem sai ganhando? Ora, todos aqueles aos quais se foi permitido viver, ainda que virtualmente a beleza dos momentos vividos.