Thursday, January 18, 2007

"Fêmea, puro sêmen da paixão..." (F. Jr.)


...e Deus fez-me mulher. Com todas as qualidades e defeitos, Ele fez-me mulher. Com todas as qualidades e desejos, fez-me fêmea, e deu-me a impaciência e a força femininas e um coração cheio de lágrimas que justifiquem a expressão "sexo-frágil".
Deus fez-me mulher. Deu-me o equilíbrio e a eloquência tipicamente femininas, para serem donas de minhas idéias. Mas soldou ao meu coração um segundo coração, e também um terceiro e outros tantos, todos flamejantes de paixões e sofreguidão, para incendiar os caminhos que eu haveria de percorrer nesta jornada.
Fez-me dona e escrava de meus impulsos, criou-me para sonhar e para morrer; fez com que desenhasse meus pés no chão macio da razão, e que os torturasse sobre os espinhos de minhas inconsequências; que amasse e odiasse a mim mesma, nos meus momentos de lucidez, quando esses estavam precedidos por impulsos felizes. Porque toda mulher é louca, quando feliz; toda mulher é santa, quando chora; toda mulher é bêbeda, quando sonha. Toda mulher é imoral, quando ama.
Sou uma alma sem nome, sem sexo, sem aparência. Ganhei um corpo e este é feminino. Às vezes, correspondo aos meus impulsos; n'outras, corto minhas amarras com o punhal dos meus excessos. E esse mesmo punhal que me liberta fere minhas mãos, meu peito, minha vida. Leva meu coração primeiro a um abismo e lança-o numa queda livre sem fim; despedaça o segundo em mil partes ínfimas e causa dor aguda em meu ser; sufoca meu coração terceiro entre minhas lágrimas e dores, matando em mim um pouco do meu auto-amor; e aprisiona os demais, para ter garantia de meu retorno aos pés da inocência, rogando seu perdão.
É... Deus me fez mulher, dessa vez. E deu-me uma pequena migalha de sua sabedoria e uma grande porção das imoralidades e medos humanos. Fez-me carregar o privilégio da vida no ventre e o desespero da morte nos desejos. Cultivou em mim o belo e o feio e deu-me este corpo, fêmeo corpo, que recebe a luz para os seres que chegam através de mim e que semeia pesadelo às minhas noites quentes. Que me dá o prazer e a insatisfação, que me faz essência e resto de mundo. Me faz sensual e obscena e permite em mim o afago e a tortura num só abraço.
A indecisão e o medo me machucam e atrasam minhas conquistas. Os arroubos de minha natureza impaciente me fazem tropeçar na pressa das atitudes mal-ponderadas. Me delicio com as vitórias que alcanço e mais ainda com meus fracassos. Assisto minhas quedas com aplauso, porque me custa crer que o desejo e a felicidade estejam, em algum momento da vida, ao alcance de ambas as mãos de uma criatura que nasça fêmea. Seria perigoso demais! E o Criador do céu e da terra sabe disso.
Disse Deus: carrega audácia em seio. Mas Ele não disse o que fazer com o encanto que separa a fêmea do Paraíso. Deu-me a água como primeiro espelho e fez um homem morrer nela, por encontrar em si encantos fêmeos. Contou meus fios de cabelo e multiplicou por eles minhas cobiças e obstáculos.
Minhas dores me constróem, enquanto meus sorrisos me fazem desmoronar. Minhas virtudes me mostram o céu com todas as estrelas, enquanto os vícios que meu corpo desfruta fecham meus olhos aos portões do paraíso. Meus desencantos me ferem e me acordam. Minhas fraquezas me acalentam e destróem, lenta, suave e definitivamente.
Há momentos em que duvido que haja mesmo um anjo de guarda a velar meu sono!

March 1st, 2000

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