Friday, March 06, 2020

Impiedade

Eu queria uma vacina contra a piedade.
Alguma coisa que me fizesse rir da desgraça,
Uma dose injetável de humor cruel,
Sadismo na veia, indiferença.

Porque a piedade é uma presunção
De que não somos assim tão sofredores
Quanto o outro que chora.

Mas sim, nós somos sim!
Indistintamente todos, somos miseráveis!

Somos lixo, 
Como foram nossos antepassados,
Desde os mais inimputáveis seres que habitaram cavernas
Até o mais sublime dos homens que possa ter havido, 
Se este se cria algo acima
Da dor da humanidade inteira.

Dor de ser parida, dor de ser moldada,
De ser adestrada para ser algo
Funcional, racional, intencional.

Desde a espada que feria
Homens e mulheres no passado
À palavra que desperta do sonho
O outro ou a nós mesmos,
Tudo! Tudo é instrumento de morte
Nas mãos ou lábios vis,
Contra os outros, contra si.

Em nome de sobreviver, matamos
Em nome de sobreviver, morremos.

E a miséria humana de findar-se
Começa desde o primeiro respirar.

Eu, miserável cadáver em curso,
Me apiedo do outro
Quando ele dói.
- Tola que sou!

Eu queria uma vacina
Anti-piedade.
Um jato de desamor em cada narina,
Um gás de riso frouxo
Diante da humanidade zumbi,
Diante de toda lágrima,
Diante de cada ser
Parido, moldado para ser 
Funcional, racional, intencional.

Mas nenhum anestésico
Entorpece o bastante
Pra que a dor do mundo
Não doa em mim.

Miserável que sou,
Presumo ter algo que possa
Suplantar ou reduzir
O que sofre o outro!

E cometo a - quase inocente - arrogância,
pecado ainda mais vil!
O orgulho, travestido em complacência.
Pensando (fingindo?) que não sou tão miserável assim...

EmmyLibra 
Jan 5, 2020 - 1:45 pm

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